“Pode chegar, pode escolher a cadeira melhor para você”. A música foi a maneira como o grupo teatral Rotunda escolheu para recepcionar o público no espetáculo “Cadeiras Cativas” que encerrou a mostra de 68 da Faculdade Estácio de Sá. Da mesma forma como a platéia pôde escolheu seus assentos, toda uma população escolheu como viveria o ano de 1968. Uns optaram pela luta de ideais, outros enfrentaram o pesadelo e alguns preferiram apenas sonhar.
A mostra da faculdade foi batizada “O sonho acabou?” Mas de qual sonho estamos falando? Por todo o mundo, famintos pela realização de seus sonhos lutavam. Sonhos de mudança de comportamento, de mudanças de atitudes, de mudanças de parâmetros. No Brasil, o período foi embalado por canções de protesto e indignação. Uma época onde a experimentação de linguagens refletiu na revolução dos jovens enas produções artísticas .
Com direção de Cristiane Cândido, a peça “Cadeiras Cativas” retrata uma época onde pouco, ou nada, era permitido e, no entanto, muito foi realizado depois que alguns resolveram transformar seus sonhos em realidade. A música serviu como delimitação do tempo e pano de fundo para textos que retratam lutas coletivas e pessoais. O período foi produtivo em todos os sentidos e a música brasileira produzida durante os “anos de chumbo” é uma dos legados deixados pela juventude da década de 60.
Com a tomada do poder pelos militares, em um golpe de estado no ano de 1964, o governo João Goulart foi interrompido e os brasileiros perderam o direito da escolha presidencial.O Golpe submeteu o Brasil a um regime militar que evoluiu para uma ditadura militar acabando com a democracia. Os opositores iniciaram as lutas e foram reprimidos violentamente por censores do regime. Neste contexto, surge o gênero MPB e, posteriormente, a Tropicália. Músicas com teor revolucinário e de negação ao sistema. As canções foram consagradas pelos grandes Festivais de Música Brasileira que lançaram artistas como Chico Buarque, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Elis Regina, Jair Rodrigues, Nara Leão, Geraldo Vandré, Caetano Veloso.
Para o aluno de publicidade e propaganda Leandro Coutinho, de 24 anos, as utopias acabaram e as grandes batalhas não existem mais, mas a música não deixa que o desconforto diante das situações desapareça. “Mesmo para quem não viveu o período é impossível ouvir uma música de Chico Buarque e permanecer apático. As músicas são tão fortes, que são capazes de emocionar e fornecer energia ainda hoje”, afirma. Para o estudante “Cadeiras Cativas” acertou nas escolhas musicais e por isso conseguiu despertar sentimentos em quem não viveu os conflitos da década.
De acordo com o professor de Música Popular Brasileira Henrique Romanello, as músicas com teor revolucionário do período da Ditadura Militar serviram como trilha sonora para as revoluções embalando os sonhos e fortalecendo as lutas. O professor acredita que hoje o individualismo também se reflete nos conteúdos musicais. “Nós temos uma falta de motivação e falta engajamento aos jovens. Acabaram as grandes causas e nós hoje temos uma nação de individualistas”, lamenta.
Em 1968 o duelo musical entre Chico Buarque e Geraldo Vandré emocionou o festival da TV Globo. Sabiá, de Chico e Tom Jobim e Caminhando, também conhecida como Para não dizer que não falei de flores, de Vandré levaram a platéia ao delírio. Vandré se apresentou acompanhado apenas de seu violão no Maracanãzinho lotado e a música foi aclamada pelos jovens que vibravam com a ousadia da mensagem, mas o júri deu a vitoria à Sabiá. Alguns dias depois, o coronel Otávio Costa, publicou em um artigo no "Correio da Manhã", o pedido de prisão de Vandré por subversão. A música virou hino contra a ditadura militar e até hoje é associada à inclusão e a união popular
Durante os festivais, a maioria dos compositores apresentavam músicas com mensagens de insatisfação ao poder militar, driblando a censura. Em 1968 a instauração do Ato Institucional nº 5 acentuou o caráter ditatorial do governo militar e a perseguição política aos que eram contrários ao regime . Muitos artistas foram perseguidos e exilados Os festivais continuaram a ser produzidos até 1985 pela TV Globo, mas sem a força e a adesão popular da chamada “época de ouro dos festivais”.
Passados 40 anos de erupção social, o esvaziamento do debate político é uma realidade da juventude em todos os sentidos. Para a atriz de "Cadeiras Cativas", Allana Castros, de 27 anos, o jovem perdeu a essência e hoje luta por causas individuais. Ela acredita que muitas vitórias foram conquistadas durante a década de 60, no entanto acha que nem tudo mudou. "Hoje as coisas podem estar mais camufladas e caberia a nós reinvidicarmos algumas mudanças. Infelizmente o jovem agora está mais preocupado com um emprego ou um programa no fim-de-semana, mas ainda existem motivos para lutarmos e fazermos a nossa revolução", afirma.
Leia também:Luz, talento, ação!
Morre um lider, mas a luta continua
Movimentos estudandis lutando por ideologias
Entrevista com o professor de Música Popular Brasileira, Henrique Romanello
Nenhum comentário:
Postar um comentário