1968, o Ano Caleidoscópico

Passeata dos Cem Mil- Rio de Janeiro/RJ1968:Passeata dos Cem Mil- Rio de Janeiro/RJ

“Num tempo, página infeliz da nossa história, passagem desbotada da memória das nossas novas gerações". A música de Chico Buarque fala de um período de experimentações, novidades, utopias, contestações e sofrimentos. 1968 foi o ano da minissaia e da calça jeans, da pílula anticoncepcional, do sexo livre e dos prazeres das drogas. O ano das lutas feministas, pacifistas e estudantis. O ano da violência contra os contestadores, da morte de Martin Luther King, da Primavera de Praga e dos protestos contra a Guerra do Vietnã. 1968 foi um ano em que o mundo esteve em erupção. Um ano de muitas conquistas, mas também de muitas perdas.

Quarenta anos depois, o ano mítico ainda é motivo de reflexões e discussões. O ano de 68 representa um marco histórico e suas heranças são sentidas na política, na cultura e no comportamento humano. O racismo tornou-se um crime, homens e mulheres possuem direitos iguais, o homossexualismo já é aceito pela legislação de alguns países e a liberdade de expressão é hoje uma realidade da democracia. Passadas quatro décadas do assassinato de Martin Luther King, Barack Obama, um negro, é candidato do partido democrata às eleições dos Estados Unidos da América. Alguns sonhos da década de 60 hoje podem ser considerados realidade graças ao sacrifício de tantos que acreditaram ser possível mudar o que não agradava.

O sociólogo e cientista político Otávio Soares Dulci participou do período e acredita que cada época tem seus sonhos e a missão do jovem é sonhar. “Nós tivemos os nossos sonhos e vocês tem os de vocês. O nossos sonhos produziram algumas realidades, umas boas e outras não. Vocês também têm esse desafio”, disse o sociólogo durante uma palestra para universitários. “Não significa que tudo foi resolvido. Hoje os problemas são outros e cabe ao jovens verificar se estão satisfeitos ou não com o que é oferecido”, afirmou o sociólogo desafiando os jovens.

Em maio de 68 as manifestações estudantis incidiram nas universidades francesas de Nanterre e Sorbonne, e inspiraram revoluções de estudantes da Europa e das Américas. Com a adesão das classes trabalhadores, os protestos se ampliaram e ganharam dimensões diferentes em cada país. O ano foi de agitação em todo o planeta e, de uma forma geral, a juventude ambicionava a liberdade de pensamento e rejeitava os poderes autoritários. Em alguns países os protestos reivindicavam mudanças comportamentais. Em outros, as lutas eram de ideologias políticas. O fato é que no ano de 1968 a ordem e os valores foram colocado à prova.

Os protestos na América Latina questionavam o subdesenvolvimento econômico e as ditaduras militares. No Brasil, o movimento estudantil, que havia iniciado em 1966, tomou nova força como a morte do estudante Edson Luis de Lima Souto, no Rio de Janeiro, em 1968. O estudante foi morto pela Polícia Militar, sem sequer estar envolvido com os movimentos de estudantes. Os jovens, que inicialmente estavam preocupados com mudanças no sistema de ensino, ampliaram suas insatisfações e bateram de frente com o regime militar, exigindo o fim da ditadura. Passeatas, panfletos, publicações, canções e lutas armadas marcaram o período no Brasil.

De acordo jornalista Kerison Lopes, a morte do estudante foi a gota d’água para que os jovens tomassem as ruas. “Nesse ano fizemos a Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, e a morte de Edson Luis ajudou para isso acontecer. O estudante foi assassinado em ação desumana da policia militar. Uma mostra do que a ditadura era capaz de fazer,” conta o jornalista emocionado. O jornalista presidiu a União Brasileira de Estudantes Secundaristas, UBES, na década de 90, e nesse período procurou a mãe de Edson Luis para entregar uma indenização da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. “Ela nem sabia por que mataram seu filho. É revoltante,” desabafa.

A publicitária Allana Castro, de 27 anos, acha que as lutas do ano histórico trouxeram muitas transformações e o jovem de hoje usufruiu, mas não valoriza as pessoas que se sacrificaram em busca de sonhos comuns. Para ela, o desinteresse é tanto que o jovem não quer olhar para o futuro da nação e nem pensar nos fatos do passado que construíram a realidade atual. “Nem sei ao certo se o jovem se interessa pelo que foi feito para mudar tanta coisa. Hoje vivemos em uma sociedade individualista e egoísta. Muito diferente do que foi a década de 60. As lutas de 68 acabaram se tornando um pesadelo, mas em busca de um sonho”, lamenta

A mudança na juventude também é notada pela jornalista Hila Rodrigues. No entanto, ela defende os jovens, pois acredita que o contexto influencia todo o coletivo. “A juventude, desde os primórdios, faz as transformações e isso reflete em toda sociedade. Naquela época os padrões tinham que ser superados e hoje o cenário demanda menos do jovem. A sociedade está mais apática e individualista, e não só a juventude. O aumento das informações que recebemos, a globalização e mais uma série de fatores influenciam no comportamento atual,’ explica.

Para o deputado estadual Carlinhos Moura (PCdoB), os jovens do período da ditadura militar do Brasil são exemplos que não devem ser esquecidos e deixaram suas sementes para as próximas gerações. “Participei de movimentos estudantis na década de 90, quando fui diretor da UNE [União Nacional dos Estudantes]. A minha geração teve como referência os militantes do período de 68. Eles fizeram uma boa luta contra a ditadura militar, creio que o sonho dessa geração não morreu, já que hoje vemos várias dessas causas ainda sendo defendidas e muitas bandeiras daquelas alcançadas”, afirma.

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